terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

OS MELHORES FILMES DA DÉCADA 2000 – 2010

Seguindo o critério do post anterior, coloquei uma consideração inicial logo após o título como resposta à seguinte pergunta: "Por que merece estar na lista?". Depois, um breve aprofundamento, ressaltando o que faz com que o filme se destaque. Em ordem de lançamento:

1. AMORES BRUTOS (Amores Perros. Alejandro González Iñárritu. México, 2000)
Por quê? Aposta na inteligência do público, que tem que montar sozinho três histórias que se cruzam para tentar entender os motivos que movem os atos humanos.
– Extremamente denso, trata-se de um filme realmente brutal. As histórias de várias pessoas sem aparentemente nada em comum vão se conectando até formar um bloco de concreto, dentro do qual estão as respostas que procuram. No entanto, o bloco somos nós mesmos, e a impressão é de que resolver certos problemas, principalmente os resultantes de decisões do passado, é tão difícil quanto abrir esse concreto. Nós não nos conhecemos por inteiro, muitas vezes agimos por impulso, queremos o que não podemos ter, tentamos em vão controlar situações que não dependem de nós. O que temos em comum é que não entendemos nossos verdadeiros motivos, e a notória dificuldade de comunicação com nossos pares, nos impede de entendermos as razões do outro. Por isso, nos digladiamos com problemas que nós mesmos criamos mas que não temos o discernimento necessário para perceber. E mesmo quando percebemos, geralmente é tarde demais, então corremos em busca de redenção. Se você assiste a um filme como esse com um mínimo de interesse, alguma coisa muda dentro de ti. Você pôde sentir as tragédias dos personagens sem precisar passar pelo mesmo sofrimento. Cinema não é uma arte mágica?

2. LAVOURA ARCAICA (Luis Fernando Carvalho. Brasil, 2001)
Por quê? É filme de arte brasileiro desenvolvido com uma maestria que não será superada tão cedo no nosso cinema.
– Infelizmente a "miopia" dos responsáveis pela escolha dos concorrentes ao Oscar não permitiu que este filme recebesse o devido reconhecimento. O tema está centrado no desmoronamento de uma família regida por antigos preceitos morais. Alguns conhecedores da literatura de Raduan Nassar, autor do livro em que o filme se baseia, atestam sua riqueza temática com teses sobre os simbolismos religiosos e psicológicos da história. Não tenho bagagem para tanto, mas é claro o embate entre André, que faz as vezes de filho pródigo, contra os rígidos preceitos ditados pelo pai. Os impulsos sexuais reprimidos são o motor de sua revolta, mas ele aprenderá da pior maneira que a submissão a esses preceitos é o que mantém estável a família, unidade básica de toda a vida em sociedade. A ameaça à estabilidade familiar e social é, assim, a quebra da estrutura de poder assentada na norma e na submissão - é uma crítica, mais do que uma constatação.

3. O SENHOR DOS ANÉIS – TRILOGIA (The lord of the rings. Peter Jackson. Nova Zelandia/EUA, 2001)
Por quê?  Conseguiu a façanha de adaptar para as telas um material dificílimo, utilizando efeitos especiais ultra-realistas para contar uma história com temas e valores universais e atemporais.
– Muitos consideravam infilmável o universo criado por Tolkien, mas Jackson não só conseguiu como fixou um marco norteador para os rumos do cinema moderno. Os efeitos especiais e os cenários grandiosos não estão lá para encher nossos olhos e sim para tornar possível contar aquela história. O respeito pelo material original não se preocupou (muito) com o retorno financeiro, criando uma trilogia de fantasia épica para ser levada a sério, com alívios cômicos, tensão e emoção equilibrados, proporcionando tudo o que o bom cinema é capaz de oferecer. Amor, amizade, heroísmo e lealdade são aqui valores a serem preservados não importando os sacrifícios necessários em tempos difíceis. A mensagem de que qualquer pessoa com esses valores pode mudar o mundo, e que nosso destino parece ser escrito pela diversidade que nos é característica, nunca foi passada com tamanha beleza.

4. O FABULOSO DESTINO DE AMÈLIE POULAIN (La fabuleux destine de Amèlie Poulain. Jean Pierre Jeunet. França, 2001)
Por quê? É o filme mais gratificante de se ver dos últimos mil anos. E tem a admirável coragem de dar importância para as coisas simples e mundanas da vida numa época cada vez mais atribulada e veloz.  
– Numa década cinematográfica marcada por uma visão pessimista do mundo, a personagem solitária e solidária de Audrey Tautou, nos trouxe o otimismo que estava faltando. Jeunet transforma simplicidade em poesia num filme que conquista pela forma inventiva e despretensiosa com que conduz sua narrativa. Observe com que prazer o filme – e sua personagem – descarta coisas que achamos importantes, focalizando no simples e banal,  que resultará em idéias brilhantes e reações autênticas de pessoas comuns. Amèlie escuta a notícia da morte da Princesa Daiana na TV, mas sua atenção logo é desviada para uma caixa de brinquedos que encontra, cujo dono já idoso ela decide procurar. Mais tarde, a dona da banca de jornais comenta a tristeza que é a morte de uma princesa "tão jovem e bonita", mas Amèlie está lendo algo à margem da página, nada mais que uma pequena curiosidade sobre uma carta reencontrada muitos anos após um antigo acidente com o avião do "correio" francês. Essas duas descobertas levarão Amèlie a estratégias para ajudar algumas pessoas e acaba transformando suas vidas como nem ela esperava. Jeunet também retrata como a falta de sensibilidade nos traz infelicidade – e sofrimento para as pessoas que amamos – dando um tom melancolicamente engraçado ao filme. E assim, Jeunet vai montando seu belíssimo filme livre de regras e orgânico desde a utilização das cores quentes e vibrantes da fotografia até a narração em off, que o transforma em um poema visual. Quando ouço ou leio que o filme não tem história, só um monte de bobagens desinteressantes, sempre me vem à mente a fala de uma personagem secundária: "É um mundo difícil para os sonhadores". É a afirmação mais veraz da década.

5. KILL BILL (Kill Bill, Vol. 1 e Vol.2. Queintin Tarantino. EUA, 2003)
Por quê? É um caso raro de filme que nos diz a todo momento que não pretende ser considerado no mundo real.
– Tarantino não quer ser levado a sério (daí o exagero absurdo e cômico da violência), seus filmes só existem no lado de lá da tela, onde metalinguagem e violência estilizada estão a serviço da narrativa. Se você se der ao prazer de ouvir a excelente música durante os créditos até o fim, verá que Uma Turmann (sim, a atriz, não mais a personagem), pisca para o público e dá um sorrizinho, querendo dizer que tudo aquilo foi só encenação. Como não se divertir!? Assim, para fisgar o espectador, Tarantino precisa contar sua historinha de forma inventiva e criar situações tão absurdas quanto coerentes com a trama. Roubo, traição, violência, morte. Quem disse que não há romance? Para quem não percebeu, esta é uma história de amor (assim como quase todos os roteiros assinados por Tarantino). Sim, a diferença é que seus protagonistas são gangsters e assassinos. Os brutos também amam (e traem) e é claro que nesse caso, não veremos gente chorando pelos cantos. Haverá mortes e vingança. Mas quando estamos prestes a pensar que é apenas isso, Tarantino nos surpreende junto com a sua personagem. Ela surge para "matar Bill", que lhe tirou o direito de ser mãe, mas no mesmo instante dá de cara com uma nova chance. Desde o final do Volume 1 nós sabemos que algo assim vai acontecer, mas a forma como ele o revela é tão chocante que o filme cresce além da conta. 

6. FILHOS DA ESPERANÇA (Children of men. Alfonso Cuarón. Reino Unido/EUA, 2006)
Por quê? Ofereceu-nos uma visão de futuro tão plausível quanto inquietante e em sintonia com o nosso mundo globalizado, sendo o filme que melhor o retratou.
– Escassez de recursos, migrações em maça, fome, terrorismo e guerra. A despeito das promessas da modernidade sobre um tempo de paz e tranquilidade, nunca nossas preocupações foram tantas e tão iminentes. Em vez de se apoiar em uma catástrofe específica, como na maioria dos filmes sobre o fim do mundo, Cuarón está mais interessado em traduzir sua visão do futuro como consequência de nossos atos. A causa da infertilidade que está levando a humanidade à extinção não é revelada. Alguns a interpretam como um castigo divino pela forma como temos conduzido o mundo, outros, como mais uma catástrofe resultante das transformações do nosso meio. Pessoalmente, vejo mais como uma metáfora do filme referente ao título original ("Os filhos do Homem"), com a possível mensagem que o principal recurso de que dispomos para salvar o planeta e a nós mesmos, são os nossos filhos. Basta os criarmos com afeto, ensinar-lhes valores nobres e a tomar suas decisões com ética, e teremos a inteligência e a força para vencer os desafios que se impoem. Porém, como nos é característico, precisamos perder aquilo que temos para reconhecermos o seu valor.

7. SANGUE NEGRO (There will be blood. Paul Thomas Anderson. EUA, 2007)
Por quê? Anderson conseguiu personificar o sistema capitalista no individualismo e ganância de seu protagonista. Uma colagem genial do tema ao personagem, que ilustra a transformação que o capitalismo promove nos indivíduos.
 – O início silencioso reforça o isolamento exigido pela busca da riqueza, o que pode ser observado em qualquer época. Não se trata de um filme histórico, portanto. É na verdade um retrato das origens do capitalismo moderno no oeste americano, que se espalharia para o resto do globo. Onde Plainviel chega, promove mudanças, altera costumes e interfere no modo de vida local. Traz progressos (e também discórdia), mas seu interesse real é o aumento de sua própria riqueza – ora, isso é o capitalismo. O resultado do embate entre o poder da fé e do capital, cada um ao seu modo buscando se firmar, remete ao título original: "isto será sangue". Paul Thomas Anderson também demonstra sua maturidade como diretor, abrindo mão das firulas e simbolismos de seus filmes anteriores – embora também sejam ótimos trabalhos. Deixa assim um filme notável e pertinente para esse novo século.

8. ONDE OS FRACOS NÃO TEM VEZ (The no country old men. Cohen Brothers. EUA, 2007)
Por quê?  Sob o disfarce de um filme de perseguição, traz um comentário incisivo sobre a violência de nossos dias, onde a solidariedade é um sinal de fraqueza mortal.
– É na diferença de personalidade entre o cowboy e o impiedoso matador que está o centro do filme. O primeiro, calejado e corajoso, acha que sua experiência pode vencer o assassino, mas é justamente seu ato de misericórdia – ao levar água a um moribundo – que ele dá a chance para o assassino persegui-lo. Este, ao contrário, não tem piedade de ninguém, parece se considerar uma força da natureza que está no destino de suas vítimas (as causas da violência não fazem mesmo sentido).  Paralelamente, o Xerife não entende a onda de violência que vem presenciando. Ele pertence a outra época, em que policiais patrulhavam desarmados, não tem chances no mundo atual. O título original refere-se a "homens velhos", mas se aplica a todos que não conseguem se adaptar aos novos tempos. No final (que muitos detestaram) o xerife já aposentado resume toda a coisa ao descrever uma cena de paz e tranquilidade, destruída por um: "aí eu acordei". É interessante notar, como esse filme se encaixa com o anterior, como se o complementasse. Num mundo cada vez mais transformado pelo capitalismo, a violência e a subversão de antigos valores se aprofundam cada vez mais.

9. DOGVILLE (Dogville. Lars von Trier. França, 2008)
Por quê? Abrindo mão de cenários, Von Trier rova que é possível filmar uma grande história só com personagens e... a própria história.
– Diferente de tudo que já vimos, as primeiras cenas de Dogville são difíceis de engolir. Emulando uma cidadezinha do interior dos EUA, ruas, portas e paredes não são mais que demarcações a giz no chão de um palco de teatro. Logo, porém, nos acostumamos ao conceito proposto por Von Trier e passamos a preencher o cenário com a nossa imaginação. Nele seremos testemunhas de como até mesmo pessoas simples e humildes, carregam dentro de si um grande potencial para a maldade. Escondido atrás das aparentes boas intenções dos habitantes de Dogville, esse potencial aos poucos se torna real para a idealista Grace, que terá sua fé no ser humano irremediavelmente destruída. A época da história é a Grande Depressão americana, mas Von Trier deixa claro que as atitudes de seus personagens nada tem a ver com as dificuldades que enfrentam. Consegue, assim, a façanha de manter nossa curiosidade com alguns poucos objetos de cena, e manipula nossos sentimentos a ponto de fazer participarmos da vingança de Grace. Deixando-se envolver pela lógica de Von Trier, é uma experiência inovadora.

10. NA MIRA DO CHEFE (In Bruges. Martin McDonagh. Reino Unido/Bélgica, 2008)
Por quê? Foi o último filme a proporcionar uma catarse de originalidade.
– Muitos filmes com temática mais relevante poderiam estar no lugar deste, mas o primeiro trabalho de McDonagh utiliza um humor negro que consegue divertir em função de sua originalidade – e um filme desses não pode passar despercebido. A história de 2 matadores que são mandados pelo chefe para o interior da Bélgica após um trabalho mal sucedido, pode parecer banal (e é!), mas temos a impressão de que nunca vimos nada igual. Ambientar uma história assim num lugar como Bruges, cidade medieval mais bem preservada da Europa, é uma sacada genial, mas seria apenas um cenário bonito não fosse a motivação que ela envolve. Com nostálgicas lembranças de infância, o chefe os manda para lá não como castigo, mas como um bônus ao empregado que pretende eliminar, sem cogitar que o infeliz irá detestar o lugar. O outro fica encantado, mas recebe a ingrata missão de matar o amigo. Porém, algo surpreendente acontece quando ele vai executar a ordem, e o filme segue por outro rumo. Nada é por acaso na trama, todos os elementos (até as pinturas de Bosh!) são orgânicos sem deixar de ser engraçado. Nas mãos de alguém menos talentoso, os assassinos seriam mandados para matar um desafeto qualquer e após muita correria, alguém explodiria um prédio histórico sem querer. Em vez da correria, McDonagh se concentra em seus três protagonistas e contempla a cidade como mais uma personagem da trama, que será uma espécie de purgatório para eles. Afinal, é "em Bruges" que todos acabam tendo que se confrontar com seus próprios princípios e arcar com as consequências de suas decisões e pecados.

Um comentário:

  1. Quem não concordou, à vontade para mandar sua própria lista. Logo posto as 20 mensões honrosas que não podem ficar de fora.

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