segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

AS ESTRELAS: MEU DESTINO – Alfred Bester

Começo com esse livro o segundo plano do blog, no qual vou falar de alguns livros que li e tentarei resgatar algumas das leituras mais empolgantes e prazerosas que eu costumava ter na adolescência: Ficção Científica (FC daqui pra frente). Este, no entanto, foi mais recente (e mesmo assim já faz uns bons 2 anos), o que representou uma fuga nostálgica e revigorante do stress pós-traumático de um último ano de faculdade. Mas não foi só isso, trata-se de um dos melhores livros que já li. Viajar numa leitura é um prazer que nem sempre se consegue, vamos admitir, mas neste caso, as estrelas foram o meu destino.

O não iniciado na literatura de FC precisa primeiro saber que Alfred Bester pertence a uma "fase" do gênero apelidada de space opera, termo derivado de antigos seriados radiofônicos que transmitiam aventuras banais de diversos gêneros. Havia, por exemplo, as horse operas, que eram histórias de faroeste. Assim, o termo space operas ("óperas do espaço", quando eram narrativas de Ficção-Científica) é, por muitos críticos, considerado pejorativo, uma vez que designa aventuras espaciais descartáveis, onde a ciência em questão é geralmente imaginária – telepatia, teletransporte, viagens no tempo... Muitos autores, no entanto, souberam usar habilmente suas regras e arquétipos para criar verdadeiras obras-primas, como é o caso deste livro.

A ironia é que esses temas geralmente não me agradam muito, mas em Bester abrem as portas para especulações metafísicas sobre a natureza humana, permitindo-lhe explorar suas perversidades, suas limitações e, principalmente, suas potencialidades.

"Era uma idade de ouro, uma época de grandes aventuras, de desafios constantes e de morte violenta... mas ninguém pensava assim. Era um futuro de fortunas e de roubos, de pilhagens e de saques, de cultura e de vício... mas ninguém o admitia."

As primeiras palavras do livro dão o tom da história, descrevendo o pano de fundo e a época em que ela se passa, o século XXIV, mas poderiam bem ser aplicadas à nossa própria época. O personagem central é Gullyver Foyle, estereótipo do homem comum, com o qual Bester subverte uma das principais características da FC: personagens em segundo plano em prol da história ou da ciência em questão. Foyle, ao contrário, é construído com uma densidade rara até mesmo fora do gênero, tornando-se um personagem tão vigoroso quanto a história que protagoniza.

Único sobrevivente de um acidente que destruiu a nave em que trabalhava como mecânico, Gully luta para sobreviver sob condições desumanas. Depois de um tempo que não consegue mais calcular, outra nave passa por ele casualmente e... o abandona. Impelido pelo desejo de vingança, ele consegue sair sozinho da terrível situação e dá início a uma dolorosa evolução, passando de animal rancoroso a homem educado, da potencial auto-destruição à possibilidade de redenção e de meramente humano a super-humano. E nessa cruzada dolorosa, acaba revelando ao mundo o extraordinário potencial letárgico que, metaforicamente, o autor sugere estar enterrado em cada ser humano.

O que mais atrai no estilo de Bester é justamente o vigor de seus personagens, o que se reflete na própria narrativa. Como já havia percebido em seu "O homem demolido", o mundo em suas histórias está sempre distorcido "de um modo fantástico e malévolo", seus habitantes são sempre obsessivos e criminosos, lançando mão de estratagemas além das fantásticas defesas de sua época para obter êxito em seus crimes. Mas é justamente aí que, na concepção de Bester, reside a força do ser humano. Apesar de ter sempre a direcionado para o mal devido aos seus instintos primitivos, é ela que nos faz superar os desafios de nossa jornada pela Terra.

Partindo da premissa simples da vingança, o livro aproxima-se muito de "O Conde de Monte-Cristo", de Alexandre Dumas, em que o próprio Bester dizia ter-se inspirado. É na prisão que Gully aprende valiosas lições para concretizar sua vingança. E, ao escapar, assim como o Conde, é o desejo de vingança que o leva a se transformar em algo melhor.

Bester sugere, assim, que, apesar de condenável, a maldade do Homem guarda forças capazes de empurrá-lo para frente. Porém, para seguir o caminho correto precisa ter presente as virtudes de que também é capaz e os valores que devem guiá-lo, mesmo porque, precisa decidir inclusive qual é o caminho correto. O livre-arbítrio, calibrado com sabedoria e determinação, torna-se assim um contra-peso aos nossos instintos destrutivos. Mas sem essa força essencial, Bester nos diz, o Homem permaneceria inócuo e sério candidato à extinção.

A primeira metade do livro é um tanto penosa se você não se identifica com os elementos fantásticos da vertente a que ele pertence. Porém, todos os elementos da trama se revelam essenciais à lógica da história, pois nada está ali por acaso, tudo tem um propósito.

É óbvio que a questão central não se resume a saber como o personagem concretizará sua vingança. Sua busca é desdobrada em uma trama muito mais complexa, que envolve o possível fim da devastadora guerra interplanetária que faz parte do cenário, motivo pelo qual Gullyver, ("mentiroso, devasso, abutre"), se descobre o homem mais importante do mundo. Percebendo que é impossível todos avançarem juntos, uma vez que cada ser humano é diferente, deixa o destino da humanidade em suas próprias mãos. O final não poderia ser diferente, e as últimas palavras são fascinantes por remeterem ao prólogo do livro.

Bester terminava um livro anterior, "O homem demolido", protagonizado por outro personagem forte, com um policial telepata dizendo: "... Nós vemos a verdade que vocês não podem ver. Pois no homem há apenas amor e confiança, coragem e bondade, generosidade e sacrifício...". Ou seja, apesar do mundo malévolo e dos personagens criminosos descritos até então, ele conclui que "Houve felicidade. E haverá de novo." Neste livro a mensagem não é tão explícita, e carrega uma agravante: só depende de nós mesmos. Mesmo sem ter lido todos os outros de Alfred Bester, este para mim já é sua obra-prima.

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

OS MELHORES FILMES DA DÉCADA 2000 – 2010

Seguindo o critério do post anterior, coloquei uma consideração inicial logo após o título como resposta à seguinte pergunta: "Por que merece estar na lista?". Depois, um breve aprofundamento, ressaltando o que faz com que o filme se destaque. Em ordem de lançamento:

1. AMORES BRUTOS (Amores Perros. Alejandro González Iñárritu. México, 2000)
Por quê? Aposta na inteligência do público, que tem que montar sozinho três histórias que se cruzam para tentar entender os motivos que movem os atos humanos.
– Extremamente denso, trata-se de um filme realmente brutal. As histórias de várias pessoas sem aparentemente nada em comum vão se conectando até formar um bloco de concreto, dentro do qual estão as respostas que procuram. No entanto, o bloco somos nós mesmos, e a impressão é de que resolver certos problemas, principalmente os resultantes de decisões do passado, é tão difícil quanto abrir esse concreto. Nós não nos conhecemos por inteiro, muitas vezes agimos por impulso, queremos o que não podemos ter, tentamos em vão controlar situações que não dependem de nós. O que temos em comum é que não entendemos nossos verdadeiros motivos, e a notória dificuldade de comunicação com nossos pares, nos impede de entendermos as razões do outro. Por isso, nos digladiamos com problemas que nós mesmos criamos mas que não temos o discernimento necessário para perceber. E mesmo quando percebemos, geralmente é tarde demais, então corremos em busca de redenção. Se você assiste a um filme como esse com um mínimo de interesse, alguma coisa muda dentro de ti. Você pôde sentir as tragédias dos personagens sem precisar passar pelo mesmo sofrimento. Cinema não é uma arte mágica?

2. LAVOURA ARCAICA (Luis Fernando Carvalho. Brasil, 2001)
Por quê? É filme de arte brasileiro desenvolvido com uma maestria que não será superada tão cedo no nosso cinema.
– Infelizmente a "miopia" dos responsáveis pela escolha dos concorrentes ao Oscar não permitiu que este filme recebesse o devido reconhecimento. O tema está centrado no desmoronamento de uma família regida por antigos preceitos morais. Alguns conhecedores da literatura de Raduan Nassar, autor do livro em que o filme se baseia, atestam sua riqueza temática com teses sobre os simbolismos religiosos e psicológicos da história. Não tenho bagagem para tanto, mas é claro o embate entre André, que faz as vezes de filho pródigo, contra os rígidos preceitos ditados pelo pai. Os impulsos sexuais reprimidos são o motor de sua revolta, mas ele aprenderá da pior maneira que a submissão a esses preceitos é o que mantém estável a família, unidade básica de toda a vida em sociedade. A ameaça à estabilidade familiar e social é, assim, a quebra da estrutura de poder assentada na norma e na submissão - é uma crítica, mais do que uma constatação.

3. O SENHOR DOS ANÉIS – TRILOGIA (The lord of the rings. Peter Jackson. Nova Zelandia/EUA, 2001)
Por quê?  Conseguiu a façanha de adaptar para as telas um material dificílimo, utilizando efeitos especiais ultra-realistas para contar uma história com temas e valores universais e atemporais.
– Muitos consideravam infilmável o universo criado por Tolkien, mas Jackson não só conseguiu como fixou um marco norteador para os rumos do cinema moderno. Os efeitos especiais e os cenários grandiosos não estão lá para encher nossos olhos e sim para tornar possível contar aquela história. O respeito pelo material original não se preocupou (muito) com o retorno financeiro, criando uma trilogia de fantasia épica para ser levada a sério, com alívios cômicos, tensão e emoção equilibrados, proporcionando tudo o que o bom cinema é capaz de oferecer. Amor, amizade, heroísmo e lealdade são aqui valores a serem preservados não importando os sacrifícios necessários em tempos difíceis. A mensagem de que qualquer pessoa com esses valores pode mudar o mundo, e que nosso destino parece ser escrito pela diversidade que nos é característica, nunca foi passada com tamanha beleza.

4. O FABULOSO DESTINO DE AMÈLIE POULAIN (La fabuleux destine de Amèlie Poulain. Jean Pierre Jeunet. França, 2001)
Por quê? É o filme mais gratificante de se ver dos últimos mil anos. E tem a admirável coragem de dar importância para as coisas simples e mundanas da vida numa época cada vez mais atribulada e veloz.  
– Numa década cinematográfica marcada por uma visão pessimista do mundo, a personagem solitária e solidária de Audrey Tautou, nos trouxe o otimismo que estava faltando. Jeunet transforma simplicidade em poesia num filme que conquista pela forma inventiva e despretensiosa com que conduz sua narrativa. Observe com que prazer o filme – e sua personagem – descarta coisas que achamos importantes, focalizando no simples e banal,  que resultará em idéias brilhantes e reações autênticas de pessoas comuns. Amèlie escuta a notícia da morte da Princesa Daiana na TV, mas sua atenção logo é desviada para uma caixa de brinquedos que encontra, cujo dono já idoso ela decide procurar. Mais tarde, a dona da banca de jornais comenta a tristeza que é a morte de uma princesa "tão jovem e bonita", mas Amèlie está lendo algo à margem da página, nada mais que uma pequena curiosidade sobre uma carta reencontrada muitos anos após um antigo acidente com o avião do "correio" francês. Essas duas descobertas levarão Amèlie a estratégias para ajudar algumas pessoas e acaba transformando suas vidas como nem ela esperava. Jeunet também retrata como a falta de sensibilidade nos traz infelicidade – e sofrimento para as pessoas que amamos – dando um tom melancolicamente engraçado ao filme. E assim, Jeunet vai montando seu belíssimo filme livre de regras e orgânico desde a utilização das cores quentes e vibrantes da fotografia até a narração em off, que o transforma em um poema visual. Quando ouço ou leio que o filme não tem história, só um monte de bobagens desinteressantes, sempre me vem à mente a fala de uma personagem secundária: "É um mundo difícil para os sonhadores". É a afirmação mais veraz da década.

5. KILL BILL (Kill Bill, Vol. 1 e Vol.2. Queintin Tarantino. EUA, 2003)
Por quê? É um caso raro de filme que nos diz a todo momento que não pretende ser considerado no mundo real.
– Tarantino não quer ser levado a sério (daí o exagero absurdo e cômico da violência), seus filmes só existem no lado de lá da tela, onde metalinguagem e violência estilizada estão a serviço da narrativa. Se você se der ao prazer de ouvir a excelente música durante os créditos até o fim, verá que Uma Turmann (sim, a atriz, não mais a personagem), pisca para o público e dá um sorrizinho, querendo dizer que tudo aquilo foi só encenação. Como não se divertir!? Assim, para fisgar o espectador, Tarantino precisa contar sua historinha de forma inventiva e criar situações tão absurdas quanto coerentes com a trama. Roubo, traição, violência, morte. Quem disse que não há romance? Para quem não percebeu, esta é uma história de amor (assim como quase todos os roteiros assinados por Tarantino). Sim, a diferença é que seus protagonistas são gangsters e assassinos. Os brutos também amam (e traem) e é claro que nesse caso, não veremos gente chorando pelos cantos. Haverá mortes e vingança. Mas quando estamos prestes a pensar que é apenas isso, Tarantino nos surpreende junto com a sua personagem. Ela surge para "matar Bill", que lhe tirou o direito de ser mãe, mas no mesmo instante dá de cara com uma nova chance. Desde o final do Volume 1 nós sabemos que algo assim vai acontecer, mas a forma como ele o revela é tão chocante que o filme cresce além da conta. 

6. FILHOS DA ESPERANÇA (Children of men. Alfonso Cuarón. Reino Unido/EUA, 2006)
Por quê? Ofereceu-nos uma visão de futuro tão plausível quanto inquietante e em sintonia com o nosso mundo globalizado, sendo o filme que melhor o retratou.
– Escassez de recursos, migrações em maça, fome, terrorismo e guerra. A despeito das promessas da modernidade sobre um tempo de paz e tranquilidade, nunca nossas preocupações foram tantas e tão iminentes. Em vez de se apoiar em uma catástrofe específica, como na maioria dos filmes sobre o fim do mundo, Cuarón está mais interessado em traduzir sua visão do futuro como consequência de nossos atos. A causa da infertilidade que está levando a humanidade à extinção não é revelada. Alguns a interpretam como um castigo divino pela forma como temos conduzido o mundo, outros, como mais uma catástrofe resultante das transformações do nosso meio. Pessoalmente, vejo mais como uma metáfora do filme referente ao título original ("Os filhos do Homem"), com a possível mensagem que o principal recurso de que dispomos para salvar o planeta e a nós mesmos, são os nossos filhos. Basta os criarmos com afeto, ensinar-lhes valores nobres e a tomar suas decisões com ética, e teremos a inteligência e a força para vencer os desafios que se impoem. Porém, como nos é característico, precisamos perder aquilo que temos para reconhecermos o seu valor.

7. SANGUE NEGRO (There will be blood. Paul Thomas Anderson. EUA, 2007)
Por quê? Anderson conseguiu personificar o sistema capitalista no individualismo e ganância de seu protagonista. Uma colagem genial do tema ao personagem, que ilustra a transformação que o capitalismo promove nos indivíduos.
 – O início silencioso reforça o isolamento exigido pela busca da riqueza, o que pode ser observado em qualquer época. Não se trata de um filme histórico, portanto. É na verdade um retrato das origens do capitalismo moderno no oeste americano, que se espalharia para o resto do globo. Onde Plainviel chega, promove mudanças, altera costumes e interfere no modo de vida local. Traz progressos (e também discórdia), mas seu interesse real é o aumento de sua própria riqueza – ora, isso é o capitalismo. O resultado do embate entre o poder da fé e do capital, cada um ao seu modo buscando se firmar, remete ao título original: "isto será sangue". Paul Thomas Anderson também demonstra sua maturidade como diretor, abrindo mão das firulas e simbolismos de seus filmes anteriores – embora também sejam ótimos trabalhos. Deixa assim um filme notável e pertinente para esse novo século.

8. ONDE OS FRACOS NÃO TEM VEZ (The no country old men. Cohen Brothers. EUA, 2007)
Por quê?  Sob o disfarce de um filme de perseguição, traz um comentário incisivo sobre a violência de nossos dias, onde a solidariedade é um sinal de fraqueza mortal.
– É na diferença de personalidade entre o cowboy e o impiedoso matador que está o centro do filme. O primeiro, calejado e corajoso, acha que sua experiência pode vencer o assassino, mas é justamente seu ato de misericórdia – ao levar água a um moribundo – que ele dá a chance para o assassino persegui-lo. Este, ao contrário, não tem piedade de ninguém, parece se considerar uma força da natureza que está no destino de suas vítimas (as causas da violência não fazem mesmo sentido).  Paralelamente, o Xerife não entende a onda de violência que vem presenciando. Ele pertence a outra época, em que policiais patrulhavam desarmados, não tem chances no mundo atual. O título original refere-se a "homens velhos", mas se aplica a todos que não conseguem se adaptar aos novos tempos. No final (que muitos detestaram) o xerife já aposentado resume toda a coisa ao descrever uma cena de paz e tranquilidade, destruída por um: "aí eu acordei". É interessante notar, como esse filme se encaixa com o anterior, como se o complementasse. Num mundo cada vez mais transformado pelo capitalismo, a violência e a subversão de antigos valores se aprofundam cada vez mais.

9. DOGVILLE (Dogville. Lars von Trier. França, 2008)
Por quê? Abrindo mão de cenários, Von Trier rova que é possível filmar uma grande história só com personagens e... a própria história.
– Diferente de tudo que já vimos, as primeiras cenas de Dogville são difíceis de engolir. Emulando uma cidadezinha do interior dos EUA, ruas, portas e paredes não são mais que demarcações a giz no chão de um palco de teatro. Logo, porém, nos acostumamos ao conceito proposto por Von Trier e passamos a preencher o cenário com a nossa imaginação. Nele seremos testemunhas de como até mesmo pessoas simples e humildes, carregam dentro de si um grande potencial para a maldade. Escondido atrás das aparentes boas intenções dos habitantes de Dogville, esse potencial aos poucos se torna real para a idealista Grace, que terá sua fé no ser humano irremediavelmente destruída. A época da história é a Grande Depressão americana, mas Von Trier deixa claro que as atitudes de seus personagens nada tem a ver com as dificuldades que enfrentam. Consegue, assim, a façanha de manter nossa curiosidade com alguns poucos objetos de cena, e manipula nossos sentimentos a ponto de fazer participarmos da vingança de Grace. Deixando-se envolver pela lógica de Von Trier, é uma experiência inovadora.

10. NA MIRA DO CHEFE (In Bruges. Martin McDonagh. Reino Unido/Bélgica, 2008)
Por quê? Foi o último filme a proporcionar uma catarse de originalidade.
– Muitos filmes com temática mais relevante poderiam estar no lugar deste, mas o primeiro trabalho de McDonagh utiliza um humor negro que consegue divertir em função de sua originalidade – e um filme desses não pode passar despercebido. A história de 2 matadores que são mandados pelo chefe para o interior da Bélgica após um trabalho mal sucedido, pode parecer banal (e é!), mas temos a impressão de que nunca vimos nada igual. Ambientar uma história assim num lugar como Bruges, cidade medieval mais bem preservada da Europa, é uma sacada genial, mas seria apenas um cenário bonito não fosse a motivação que ela envolve. Com nostálgicas lembranças de infância, o chefe os manda para lá não como castigo, mas como um bônus ao empregado que pretende eliminar, sem cogitar que o infeliz irá detestar o lugar. O outro fica encantado, mas recebe a ingrata missão de matar o amigo. Porém, algo surpreendente acontece quando ele vai executar a ordem, e o filme segue por outro rumo. Nada é por acaso na trama, todos os elementos (até as pinturas de Bosh!) são orgânicos sem deixar de ser engraçado. Nas mãos de alguém menos talentoso, os assassinos seriam mandados para matar um desafeto qualquer e após muita correria, alguém explodiria um prédio histórico sem querer. Em vez da correria, McDonagh se concentra em seus três protagonistas e contempla a cidade como mais uma personagem da trama, que será uma espécie de purgatório para eles. Afinal, é "em Bruges" que todos acabam tendo que se confrontar com seus próprios princípios e arcar com as consequências de suas decisões e pecados.

segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Listas, opiniões e critérios

E nem bem tivemos tempo de encarar o tão profetizado século XXI, já entramos em uma nova década. Esse é o momento, claro, de cinéfilos do mundo inteiro compilarem suas listas de quantos melhores quiserem, e finalmente, mesmo não tendo acesso a todos os filmes que poderiam estar aqui, dou a minha por definitiva.  Apesar da controvérsia sobre a década ter-se acabado no início de 2010, é inegável que o ano ainda tinha 365 dias para percorrer e, assim, deixar para trás dez anos completos.

Mas, bem, o que importa são os filmes que esses anos produziram, com todas as suas inversões morais, políticas e ideológicas influenciando os artistas e empresários responsáveis pelas nossas fugas da realidade através daquela janela iluminada. A ironia é que, não raro, encontramos nela um reflexo dessa mesma realidade. Muitos filmes dessa década nos deram uma visão pessimista e tristemente exata do tempo de crises diversas (moral, familiar, ambiental...) que vivenciamos. Enquanto direitos historicamente negados são concedidos a alguns, a liberdade é restringida mesmo para aqueles que sempre a tiveram. À medida que nosso poder de compra aumenta, nossa qualidade de vida e felicidade diminuem. E enquanto a ciência avança, menos pessoas tem acesso aos seus benefícios.

Nesse sentido, alguns filmes nos alertaram sobre um futuro tão assustador quanto possível, outros nos fizeram questionar nossas próprias atitudes e noções de certo e errado. Mas houve também espaço para otimismos traduzidos em pura poesia visual, para arroubos de originalidade quando se pensou que ela já estivesse morta, para a quebra de barreira com a inauguração da verdadeira terceira dimensão, e cineastas obscuros puderam ver a luz do dia, com a promessa de provar que existe vida inteligente fora do planeta Hollywood.

Há quem diga, porém, que cinema é essencialmente diversão. Outros, arte. Eu diria que um filme também pode ser veículo de críticas sociais, de autoconhecimento, de estudos de caso, de informação... Mas, como em qualquer arte (e diversão também é), há de se demonstrar o domínio de sua linguagem, pois a própria tentativa de subvertê-la, pressupõe esse conhecimento. E em muitos filmes dessa década, até mesmo um leigo como eu pôde sentir a magia de um cinema feito com paixão.

Esses são os requisitos pelos quais tentei pautar a compilação desta lista. Sem dúvida, cinema é tudo isso. Às vezes tudo ao mesmo tempo, de forma orgânica e coerente sob um único título, outras vezes com um foco específico. Disso já se pode concluir que uma lista que abranja uma década de produção, deve ser no mínimo, eclética (primeiro sinal de objetivismo, no qual logo chego), pois deve incluir todas essas características. Claro, não existem listas certas ou erradas, qualquer compilação, por si só, é válida. Minha pretensão, porém, é eleger alguns títulos segundo um certo critério, de forma a diminuir o peso do meu gosto pessoal.

Não que isso não seja importante, na verdade, qualquer tentativa de qualificar ou desqualificar uma obra, será sempre uma opinião pessoal. Mas isso também não exclui a tentativa de seguir um critério mais objetivo, de forma que a "lista ideal" seja um misto de gosto pessoal e objetivismo, pois é possível (e até frequente) não gostar de certo filme e mesmo assim reconhecer seus méritos artísticos. Esse tema poderia render uma grande postagem própria (e talvez renda), mas resumindo grosseiramente, a forma de se contar uma história deve estar a favor dessa história, priorizando sua organicidade interna e não o gosto do público.

Putz, começo a viajar, então, vamos aos filmes... (em breve:-)

Carta ao leitor (imaginário)

Acho que foi numa história em quadrinhos que li a frase: "Ninguém precisa ficar para sempre em lugar algum". Já faz um bom tempo, mas por algum motivo ela ficou me rondando, tentando transmitir sua mensagem sem que eu me desse conta: é sobre a inércia que ela fala. Eu estive por muito tempo em "lugar algum" e já estava ficando cansado de lá, por isso decidi iniciar esse blog. Não sei se alguém vai ler (além de você, meu caro leitor imaginário), muito menos se vai gostar, mas preciso aperfeiçoar minha escrita, e, unindo o útil ao agradável, espero sair dessa inércia em que o piloto automático, que liguei não sei quando, tem me levado.

Eu sempre gostei de filmes, mas foi nessa década que acabou de acabar que passei a me interessar por cinema. Não, não pretendo abrir uma sala, muito menos em "Santo Ângeles City", onde o nosso querido Cine Cisne tem se mantido a duras penas e, graças à garra de super-herói do seu capitão, parece ter se estabilizado. Não, refiro-me à arte de narrar histórias com sons e imagens. Muita gente gosta de filmes, mas poucos estão dispostos a ver cinema.

Quando surgiu o DVD, muitos amigos e colegas vinham me pedir que eu indicasse alguns "filmes bons". As locadoras já estavam cheias deles, é claro, o problema era a idéia que cada um tinha de "bom". Logo ficou claro que minhas dicas não era o que procuravam. Os pedidos foram diminuindo e as reclamações aumentando. Não que eu indicasse filmes chatos ou títulos existencialistas de cineastas russos, que necessitassem de uma cartilha explicativa para serem entendidos. Eram filmes fáceis, boa história, muitos até com bastante ação, mas todos tinham algo que a maioria parecia rejeitar: eles traziam mais que apenas duas horas de diversão descartável.

Portanto, o principal foco do blog será comentar sobre alguns filmes a que tenho assistido, pois foi lendo críticas, resenhas e comentários que aprendi a gostar cada vez mais de cinema. Serão textos amadores (não sou crítico), mas que tentarão trazer a tona qualidades e defeitos de alguns filmes que lhes permitiriam conquistar nosso gosto caso essas qualidades não passassem despercebidas. Muitos desses textos não serão resenhas e sim artigos que tentarão relacionar o lado de lá com o lado de cá das telas.

Penso estar contribuindo, assim (mesmo que modestamente), para a formação de cinéfilos melhores. Quem sabe alguém se convença a assistir a um bom filme ou ler um bom livro no horário do Big Brother Brasil. (Sim, uma esperança utópica! Às vezes tenho arroubos de otimismo, pois, apesar de essencialmente pessimista, acredito no ser humano – menos no Pedro Bial).

Outro foco serão alguns livros que li enquanto estive em "lugar algum" e que valeram a pena, bem como algumas das leituras mais prazerosas e empolgantes de uma época em que as preocupações eram mais ingênuas e os compromissos menos numerosos. Andei expandindo, no entanto, minha área de interesse e descobri autores e livros realmente bons, que, aliás, me incitaram a iniciar este blog.  

Portanto, se você é fã dos "heróis" do "jornalista" supra mencionado e não gosta do Batman ou (que esperança!) nunca ouviu falar do Sandman, nem sabe quem é Will Eisner ou William Gibson, já deve ter percebido que este não é um site legal. Mas se você os conhece e, ainda assim, acredita em tudo o que o Bial diz, bem... dane-se, você também será bem-vindo.

Enfim, como eu (não) disse no início, o blog é para mim mesmo. Suas críticas, caso seja gentil o bastante para se dar ao trabalho, serão bem vindas, mas já lhe aviso que não estou aqui para agradar. Tento apenas seguir o conselho desse video que encontrei no youtube, o qual parece trazer a mesma mensagem da frase que citei no início. Ninguém precisa ficar para sempre em lugar algum, ela diz. Nem continuar escrevendo tão mal quanto nesse texto, eu acrescentaria.
 
                                      Música: Where is my mind. Pixies