segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

AS ESTRELAS: MEU DESTINO – Alfred Bester

Começo com esse livro o segundo plano do blog, no qual vou falar de alguns livros que li e tentarei resgatar algumas das leituras mais empolgantes e prazerosas que eu costumava ter na adolescência: Ficção Científica (FC daqui pra frente). Este, no entanto, foi mais recente (e mesmo assim já faz uns bons 2 anos), o que representou uma fuga nostálgica e revigorante do stress pós-traumático de um último ano de faculdade. Mas não foi só isso, trata-se de um dos melhores livros que já li. Viajar numa leitura é um prazer que nem sempre se consegue, vamos admitir, mas neste caso, as estrelas foram o meu destino.

O não iniciado na literatura de FC precisa primeiro saber que Alfred Bester pertence a uma "fase" do gênero apelidada de space opera, termo derivado de antigos seriados radiofônicos que transmitiam aventuras banais de diversos gêneros. Havia, por exemplo, as horse operas, que eram histórias de faroeste. Assim, o termo space operas ("óperas do espaço", quando eram narrativas de Ficção-Científica) é, por muitos críticos, considerado pejorativo, uma vez que designa aventuras espaciais descartáveis, onde a ciência em questão é geralmente imaginária – telepatia, teletransporte, viagens no tempo... Muitos autores, no entanto, souberam usar habilmente suas regras e arquétipos para criar verdadeiras obras-primas, como é o caso deste livro.

A ironia é que esses temas geralmente não me agradam muito, mas em Bester abrem as portas para especulações metafísicas sobre a natureza humana, permitindo-lhe explorar suas perversidades, suas limitações e, principalmente, suas potencialidades.

"Era uma idade de ouro, uma época de grandes aventuras, de desafios constantes e de morte violenta... mas ninguém pensava assim. Era um futuro de fortunas e de roubos, de pilhagens e de saques, de cultura e de vício... mas ninguém o admitia."

As primeiras palavras do livro dão o tom da história, descrevendo o pano de fundo e a época em que ela se passa, o século XXIV, mas poderiam bem ser aplicadas à nossa própria época. O personagem central é Gullyver Foyle, estereótipo do homem comum, com o qual Bester subverte uma das principais características da FC: personagens em segundo plano em prol da história ou da ciência em questão. Foyle, ao contrário, é construído com uma densidade rara até mesmo fora do gênero, tornando-se um personagem tão vigoroso quanto a história que protagoniza.

Único sobrevivente de um acidente que destruiu a nave em que trabalhava como mecânico, Gully luta para sobreviver sob condições desumanas. Depois de um tempo que não consegue mais calcular, outra nave passa por ele casualmente e... o abandona. Impelido pelo desejo de vingança, ele consegue sair sozinho da terrível situação e dá início a uma dolorosa evolução, passando de animal rancoroso a homem educado, da potencial auto-destruição à possibilidade de redenção e de meramente humano a super-humano. E nessa cruzada dolorosa, acaba revelando ao mundo o extraordinário potencial letárgico que, metaforicamente, o autor sugere estar enterrado em cada ser humano.

O que mais atrai no estilo de Bester é justamente o vigor de seus personagens, o que se reflete na própria narrativa. Como já havia percebido em seu "O homem demolido", o mundo em suas histórias está sempre distorcido "de um modo fantástico e malévolo", seus habitantes são sempre obsessivos e criminosos, lançando mão de estratagemas além das fantásticas defesas de sua época para obter êxito em seus crimes. Mas é justamente aí que, na concepção de Bester, reside a força do ser humano. Apesar de ter sempre a direcionado para o mal devido aos seus instintos primitivos, é ela que nos faz superar os desafios de nossa jornada pela Terra.

Partindo da premissa simples da vingança, o livro aproxima-se muito de "O Conde de Monte-Cristo", de Alexandre Dumas, em que o próprio Bester dizia ter-se inspirado. É na prisão que Gully aprende valiosas lições para concretizar sua vingança. E, ao escapar, assim como o Conde, é o desejo de vingança que o leva a se transformar em algo melhor.

Bester sugere, assim, que, apesar de condenável, a maldade do Homem guarda forças capazes de empurrá-lo para frente. Porém, para seguir o caminho correto precisa ter presente as virtudes de que também é capaz e os valores que devem guiá-lo, mesmo porque, precisa decidir inclusive qual é o caminho correto. O livre-arbítrio, calibrado com sabedoria e determinação, torna-se assim um contra-peso aos nossos instintos destrutivos. Mas sem essa força essencial, Bester nos diz, o Homem permaneceria inócuo e sério candidato à extinção.

A primeira metade do livro é um tanto penosa se você não se identifica com os elementos fantásticos da vertente a que ele pertence. Porém, todos os elementos da trama se revelam essenciais à lógica da história, pois nada está ali por acaso, tudo tem um propósito.

É óbvio que a questão central não se resume a saber como o personagem concretizará sua vingança. Sua busca é desdobrada em uma trama muito mais complexa, que envolve o possível fim da devastadora guerra interplanetária que faz parte do cenário, motivo pelo qual Gullyver, ("mentiroso, devasso, abutre"), se descobre o homem mais importante do mundo. Percebendo que é impossível todos avançarem juntos, uma vez que cada ser humano é diferente, deixa o destino da humanidade em suas próprias mãos. O final não poderia ser diferente, e as últimas palavras são fascinantes por remeterem ao prólogo do livro.

Bester terminava um livro anterior, "O homem demolido", protagonizado por outro personagem forte, com um policial telepata dizendo: "... Nós vemos a verdade que vocês não podem ver. Pois no homem há apenas amor e confiança, coragem e bondade, generosidade e sacrifício...". Ou seja, apesar do mundo malévolo e dos personagens criminosos descritos até então, ele conclui que "Houve felicidade. E haverá de novo." Neste livro a mensagem não é tão explícita, e carrega uma agravante: só depende de nós mesmos. Mesmo sem ter lido todos os outros de Alfred Bester, este para mim já é sua obra-prima.

3 comentários:

  1. Pela resenha, senti vontade de ler o livro. A configuração ambivalente da trama, centrada em uma percepção que se descortina, segundo você mesmo disse, logo no primeiro parágrafo, certamente encontra grande parentesco com a contemporaneidade. Condicionada pelo risco, nossa sociedade detém na tragédia a possibilidade de êxitos e fracassos, tudo dependendo da caminho que será trilhado. Mas o nome do personagem (Gullyver)remete ao clássico "As Viagens de Gulliver" de Swift, onde a sátira da condição humana prediz a mentira de todos os nossos propósitos que, em última instância, caminham inexoravelmente ao vácuo. Será esse o destino? Não sei. Prefiro pensar nosso planeta ecoando ao Cosmo a 9ª do Beethoven. E é claro que isso é uma fuga. Gostei do espaço. Fraterno abraço, Frizzo.

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  2. Olá!
    Sou a Fabiane do DVD, Sofá e Pipoca. Passei por aqui para te convidar a paticipar da blogagem coletiva Bolão do Oscar 2011.A brincadeira está programada para a véspera da premiação. Mais informações no blog (http://dvdsofaepipoca.blogspot.com/2011/02/bolao-oscar-2011.html)
    Até!

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